terça-feira, 28 de abril de 2009

José Eulálio Gonçalves da Costa

Gonçalves da costa, o poeta, chegou a Raul Soares procedente de Tarumirim, cidade situada na região Inhapim/Itanhomí.

Integrou-se de tal forma aos costumes e hábitos de nossa terra que se tornou um verdadeiro raul-soarense.

Sua aparência física e modos tinham algo que nos lembrava Carlos Drummond de Andrade, o poeta de Itabira.

Taciturno, de temperamento fechado, deixava transparecer austeridade, severidade, egocentrismo e timidez.

Habitualmente usava boné ou chapéu para cobrir a calva acentuada que lhe era incômoda e causa de desconforto.

De certa feita, em um circo, reagiu energicamente, quase chegando às vias de fato, em conseqüência de uma alusão à sua calvície, feita por um artista circense, em uma brincadeira descuidada e sem intenção premeditada de ofendê-lo ou ridicularizá-lo.

O inocente palhaço, evidentemente não conhecia o poeta e sua ojeriza e complexo pelas deficiências capilares de que era vítima por questões genéticas ou causas outras que seria ocioso enumerar ou perquirir.

O poeta deixou o circo com imprecações e mal satisfeito com o ocorrido em um momento que procurava lazer e diversão.

À exemplo de machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Edward leão e tantos outros intelectuais de escol, Gonçalves da Costa foi funcionário público, escrivão do Cartório do Crime da comarca de Raul Soares, cargo exercido com muita competência e integridade.

Deixou obra poética farta, porém, esparsa em várias publicações em Minas Gerais.

Os seus textos são de muita inspiração, linguagem escorreita e riqueza de imagens.

Foi poeta completo, em prosa e verso, influenciado pela escola simbolista.

Nas décadas de 1950 e 1960 esteve presente com muita regularidade nas páginas dos jornais “O Imparcial”, de Raul Soares, e “Jornal do Povo”, de Ponte Nova.

Publicou em prosa: Página de Saudade (homenagem ao professor Edward Leão por ocasião de seu falecimento), Harpa sem Cordas, Iluminado, Sítio de Fênix, Pinceladas quase Autobiográficas de um Desconhecido, Passeio de Olhos Fechados, Tábua, Zebedeu, Página Íntima, Tema, Exercício nº 2, A Clareira da Floresta (para o poeta Edward Leão). Em versos: Eles Estão no Futuro, Soneto, Cântico, Reflexo, Depósito, Tríduo, Fuga, Húmus, Revisão, Procura, Viagem, Acróstico, Esparsas, Bailarina, Escuta, Canção Leve e muitos outros.

Do número 32, edição de 10 de março de 1957, do jornal “O Imparcial”, transcrevemos o soneto:

TRÍDUO
O desespero tem as suas flores . . .
No chão propício germinou, cresceu.
E, o delírio de vozes, luzes, cores,
Disfarce para os ídolos de breu.


Estorcem-se, contorcem-se, nas ânsias
Os loucos, embebidos do elixir . . .
Outras distâncias, para que distâncias?
Partir, partir. Mas para que partir?

Agora, um mágico, no mundo externo,
Transforma n’uma rosa cada inferno,
Cai-lhe das mãos a glória, tudo é céu. . .

Mas a invisível roda esmaga, esmaga.
Amanhã um crepúsculo, uma chaga,
Células mortas se arrastando ao léu.

E, no número 24, também de “O Imparcial”, de 22 de novembro de 1953:

Tema

Os passos ficam na poeira dormente da tarde. Os passos me levam em busca de um tema. A própria poeira é um tema, porém um tema frio e árido. Coração esmagado pelos desesperos do mundo. O sol que morre apopléctico, vomitando amargura, é um tema, porém um tema já devassado nos primeiros dias da criação. Adão, nas tardes do paraíso, com os olhos perdidos no ocaso, murmurou poemas indefiníveis...

Os ventos passam pela estrada, tristes como cães mortos de fome. Os ventos são tema imperecíveis, em cujas asas se perderam os medos antigos, asas que trouxeram panoramas futuros para os olhos dos profetas. Um vento terrível sobe dos livros santos, bem como das grandes epopéias da humanidade. Os ventos loucos conduzem perfumes, mas também conduzem pestilências...

Há um tema putrefato, uma ave esmagada no caminho, a qual servirá de pasto às trevas que vêm descendo...

Surgem mendigos vaporosos, olhos baixos, e se afastam temas ambulantes que não devem ser tocados, sangram como feridas...

Vem. Enfim, o maravilhoso tema, a noite, a estranha noite. Tema irmão gêmeo do caos, atroz e fascinante, esconde mundos de luz sob as roupagens de breu. E a noite me estende as suas fronteiras como uma paisagem de cânticos...

No meio do tema grandioso, no seio da eterna noite, apaga-se a idéia de tempo, esboroa-se a fatalidade das distâncias. O passado e presente brincam enlaçados sobre as areias infinitas, por onde cameleiros passam contritos, em direção aos despenhadeiros da morte. Nos plainos de verdura: as rosas tomam formas humanas, e choram de pena dos anjos decaídos, os quais, ao fundo, agitam os restos de asas devoradas por serpentes de chama. Passam visões rodeadas de estrelas, enquanto notas esparsas vão se agrupando na sombra, elevando os cânticos dolorosos, nos quais as virgens delirantes mergulham uma antecipação da glória...do grande tema brotam temas melífluos, resplandecentes, e me sinto um viajor solitário, perdido na treva, perdido na luz, no alto da montanha, de onde se irradiam todos os destinos...

Autoria: José Geraldo leal

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